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Por Que os Fatos Não Mudam Nossas Mentes: Lições Essenciais para Advogados 

 maio 28, 2024

por  Adriano Damasio

“Diante da escolha entre mudar de opinião e provar que não há necessidade de fazê-lo, quase todos se ocupam da prova.”

J.K. Galbraith

Leo Tolstoy foi ainda mais enfático: “Os assuntos mais difíceis podem ser explicados ao homem mais lento se ele não tiver nenhuma ideia formada sobre eles; mas a coisa mais simples não pode ser esclarecida ao homem mais inteligente se ele estiver firmemente convencido de que já sabe, sem sombra de dúvida, o que lhe é apresentado.”

Essas reflexões nos levam a uma questão crucial: por que os fatos não mudam nossas mentes? E por que alguém continuaria acreditando em uma ideia falsa ou imprecisa? Como esses comportamentos nos servem?

A Lógica das Crenças Falsas

Advogados, assim como todos os seres humanos, precisam de uma visão razoavelmente precisa do mundo para sobreviver. Se o modelo de realidade de uma pessoa é muito diferente do mundo real, ela terá dificuldades em tomar ações eficazes. No entanto, a verdade e a precisão não são as únicas coisas que importam para a mente humana. Os humanos também têm um desejo profundo de pertencimento.

Conforme escrito em Hábitos Atômicos, “Os humanos são animais sociais. Queremos nos encaixar, criar laços com os outros e ganhar o respeito e a aprovação de nossos pares. Essas inclinações são essenciais para nossa sobrevivência. Durante a maior parte da nossa história evolutiva, nossos ancestrais viveram em tribos. Tornar-se separado da tribo – ou pior, ser expulso – era uma sentença de morte.”.

Compreender a verdade de uma situação é importante, mas também é fundamental permanecer parte de um grupo. Esses dois desejos geralmente funcionam bem juntos, mas ocasionalmente entram em conflito. Em muitas circunstâncias, a conexão social é mais útil para sua vida diária do que entender a verdade de um fato ou ideia em particular.

O psicólogo Steven Pinker explicou assim: “As pessoas são acolhidas ou condenadas de acordo com suas crenças, então uma função da mente pode ser sustentar crenças que tragam ao crente o maior número de aliados, protetores ou discípulos, em vez de crenças que sejam mais prováveis de serem verdadeiras.”.

A Persistência das Crenças Falsas

Às vezes, acreditamos em algo não porque seja correto, mas porque nos faz parecer bem perante aqueles que nos importamos. Kevin Simler colocou bem: “Se um cérebro antecipa que será recompensado por adotar uma crença particular, ele está perfeitamente feliz em fazê-lo e não se importa muito de onde vem a recompensa – seja ela pragmática (melhores resultados decorrentes de melhores decisões), social (melhor tratamento de seus pares) ou uma mistura dos dois.”

As crenças falsas podem ser úteis em um sentido social, mesmo que não sejam em um sentido factual. Podemos chamar essa abordagem de “factualmente falsa, mas socialmente precisa.” Quando temos que escolher entre os dois, muitas vezes as pessoas escolhem amigos e familiares em vez de fatos.

A Amizade como Agente de Mudança

Convencer alguém a mudar de opinião é, na verdade, convencer essa pessoa a mudar de grupo. Se elas abandonarem suas crenças, correm o risco de perder laços sociais. Não se pode esperar que alguém mude de opinião se isso significar perder sua comunidade. Você precisa oferecer um novo grupo. Ninguém quer ver seu mundo destruído se a solidão for o resultado.

A maneira de mudar a mente das pessoas é tornar-se amigo delas, integrá-las ao seu grupo, trazê-las para o seu círculo. Assim, elas podem mudar suas crenças sem o risco de serem abandonadas socialmente.

O filósofo britânico Alain de Botton sugere que simplesmente compartilhemos refeições com aqueles que discordam de nós. Compartilhar uma refeição com um grupo de estranhos tem o benefício de tornar mais difícil odiá-los impunemente. A proximidade exigida por uma refeição – algo sobre passar pratos, desenrolar guardanapos ao mesmo tempo, até mesmo pedir para um estranho passar o sal – interrompe nossa capacidade de manter a crença de que os de fora que vestem roupas incomuns e falam com sotaques distintos merecem ser enviados para casa ou agredidos.

O Espectro das Crenças

Anos atrás, Ben Casnocha mencionou uma ideia que eu não consegui esquecer: as pessoas que são mais propensas a mudar nossas mentes são aquelas com quem concordamos em 98% dos tópicos. Se alguém que você conhece, gosta e confia acredita em uma ideia radical, você está mais propenso a dar mérito, peso ou consideração a ela. Mas se alguém muito diferente de você propõe a mesma ideia radical, é fácil descartá-lo como um lunático.

Os argumentos mais acalorados frequentemente ocorrem entre pessoas em extremos opostos do espectro, mas o aprendizado mais frequente ocorre com pessoas que estão próximas. Quanto mais próximo você está de alguém, mais provável é que as uma ou duas crenças que vocês não compartilham sangrem para a sua própria mente e moldem seu pensamento.

O Impacto dos Livros e do Silêncio

Os livros são frequentemente um veículo melhor para transformar crenças do que conversas ou debates. Em uma conversa, as pessoas precisam considerar cuidadosamente seu status e aparência. Elas querem salvar a face e evitar parecer estúpidas. Com um livro, a conversa ocorre dentro da cabeça de alguém, sem o risco de ser julgada pelos outros.

Além disso, há outra razão pela qual ideias ruins continuam a viver: as pessoas continuam a falar sobre elas. O silêncio é a morte para qualquer ideia. Uma ideia que nunca é falada ou escrita morre com a pessoa que a concebeu. As ideias só podem ser lembradas quando são repetidas. E podem ser acreditadas quando são repetidas.

Julia Galef explica que muitas pessoas agem como soldados em vez de exploradores intelectuais. Soldados estão no ataque intelectual, procurando derrotar aqueles que diferem deles. Exploradores intelectuais, por outro lado, são como escoteiros, mapeando o terreno com curiosidade.

Seja Gentil Primeiro, Certo Depois

O brilhante escritor japonês Haruki Murakami disse: “Sempre lembre-se de que argumentar e vencer é destruir a realidade da pessoa contra quem você está argumentando. É doloroso perder sua realidade, então seja gentil, mesmo que você esteja certo.”

Quando estamos no momento, podemos esquecer facilmente que o objetivo é conectar-se com o outro lado, colaborar, fazer amizade e integrá-los ao nosso grupo. Nos concentramos tanto em vencer que esquecemos de conectar. A palavra “gentil” originou-se da palavra “família.” Quando você é gentil com alguém, significa que está tratando essa pessoa como família.

Para mudar a mente de alguém, desenvolva uma amizade, compartilhe uma refeição, presenteie um livro. Seja gentil primeiro, certo depois.

Adriano Damasio


Advogado, inscrito na OAB/SC sob o nº 52.051, especialista em Processo Civil; Processo e Direito do Trabalho; e Gestão e Marketing Jurídico. Flerta com Data Science e programa em Python.